domingo, 14 de março de 2010

O revés do crédito fácil.



Caros leitores,

Iniciou em primeiro de março e vai até trinta de abril, o prazo para entrega da declaração anual do imposto de renda. É hora de fazermos as contas do quanto ganhamos e pagamos durante doze meses, e calcularmos se existe saldo a pagar ou a receber.

Porém, as Declarações também revelam a evolução de um problema social emergente ainda não previsto de maneira adequada nas leis brasileiras. O superendividamento do consumidor.

Esse fenômeno, que há algum tempo já se revelou, e vem sendo estudado, além de legalmente tratado, nos países com economia mais desenvolvida que o Brasil, com destaque para os países europeus, ganhou evidencia por aqui, após a edição do Plano Real, mas, principalmente, nos últimos seis anos, em razão da estabilidade econômica e à descoberta de uma parcela da população que estava excluída do sistema formal de crédito.

O recurso ao crédito democratizou-se entre os consumidores com renda familiar até dez salários mínimos, os quais representam quase oitenta por cento da população brasileira. O recurso ao crédito também ficou muito popular entre os aposentados e pensionistas do Regime Geral da Previdência Social desde dois mil e três, quando foi aprovado o empréstimo consignado com desconto em folha.

O que vemos hoje em dia é uma forte liberação de crédito, nunca antes vista no Brasil, porém semelhante ao que ocorreu na Europa e Estados Unidos nas décadas de setenta e oitenta, com intenso apelo publicitário, sobretudo a seguimentos mais frágeis da população, como os aposentados, que acabam sendo seduzidos e levados ao endividamento excessivo e sem reflexão.

No mundo jurídico, o endividamento é tido como um somatório de débitos, uma espécie de saldo devedor de um indivíduo ou de toda família, com origem apenas em uma dívida ou mais do que uma dívida simultaneamente, denominando-se, neste último caso, de multiendividamento.

Mas não é o fato de existir que torna o endividamento um problema. Ele não é um problema em si mesmo, porque quando ocorre em um ambiente favorável ao crescimento econômico, queda de juros e, principalmente, se não atingir camadas sociais com rendimento próximo ao da linha da pobreza, não se torna um problema, mas sim parte da engrenagem que move toda a economia.

O grande problema está, quando o endividamento assume uma dimensão patológica, com repercussões econômicas, sociais, psicológicas e até médicas, na vida das pessoas, quando constatam que não são mais capazes de suportar o cumprimento de todos os compromissos financeiros assumidos. Nesse caso, o endividamento é identificado no sistema legal de certos países como superendividamento.

Por aqui, o Ministério da Justiça já vem colhendo dados científicos para a elaboração de uma lei brasileira que trate do superendividamento dos consumidores, que depende não só de uma visão contemporânea do endividamento, como também lançar um novo olhar sobre a clássica teoria da autonomia da vontade, aplicada aos contratos, incluindo os de crédito, vez que o sistema individualista é incapaz de resolver adequadamente os problemas que são gerados pelas relações de consumo e pela oferta massiva de crédito.

Dr. Marcus Soares
ARF Advogados Associados
Tel.: 21-2492-4064 – Barra da Tijuca.